segunda-feira, 18 de abril de 2011

Impressões: a China que eu vi



Em Setembro de 2007 ocorreu em Macau, China, o XIII Congresso da
Federação Internacional de Estudos sobre América Latina e Caribe - FIEALC.
Essa Federação promove, a cada dois anos, um Congresso Internacional em que
estudiosos de várias partes do mundo se reúnem para apresentar pesquisas
sobre os povos da América Latina. Um abrangente leque de temas variados, indo
das questões sócio-econômicas às questões culturais, promovendo o debate de
idéias, reflexões e propostas para transformações da realidade latino-americana.

Já havia participado de outros eventos dessa natureza e quando recebi a
convocação para evento de Macau, vislumbrei a possibilidade de uma grande
aventura pelo outro lado do mundo. Juntei todas as forças e economias
embarcando em uma viagem inesquecível e enriquecedora em todos os sentidos.

Macau, o grande pólo comercial criado pelos portugueses no Século XVI,
se oferecia como oportunidade ímpar para conhecer a primeira grande
manifestação de globalização realizada pelos intrépidos navegantes portugueses.
Nós que somos fruto da colonização portuguesa, pouco sabemos de nossos
irmãos em cultura e na maravilhosa língua de Camões. Muitos poderiam perguntar
por que Macau foi escolhida como sede de um Congresso de estudos sobre
América Latina? Os organizadores visaram recolocar Macau na rota entre Oriente
e Ocidente, tal como fora nos inícios da Idade Moderna. O elo civilizatório entre
as colônias ibéricas da América e do grande império chinês. A influência da cultura
chinesa se fez sentir em inúmeros registros artísticos existentes na América
desde o século XVI, prova cabal em grande intercâmbio existente entre Oriente e
Ocidente. Da mesma forma encontramos na China as marcas da presença da
cultura portuguesa, numa simbiose interessantíssima.

O importante porto, às margens do Rio das Pérolas, nos mares do sul da
China, recebe a denominação de Amacau e tem sua certidão de batismo em uma
carta do mercador Fernão Mendes Pinto, noviço jesuíta, para o reitor do Colégio
de Goa. O primeiro documento escrito em português sobre Macau data de
novembro de 1555. Prevalece na carta a denominação do local pela fonetização
da expressão da língua de Fujian - Má Ko Cau1 ( enseada da ancestral avó) O
porto era ponto de encontro dos portugueses a caminho de Cantão. O processo
de criação de Macau foi um misto de atividade mercantil com missão
evangelizadora dos Jesuítas entre Índia, China e Japão.

Fernão Mendes Pinto é figura ímpar entre os mercadores portugueses.
Nasceu em Montemor-o-Velho por volta dos anos 1509-1511. Em 1537 parte para
a Ásia começando sua vida de aventureiro que o transformaria em rico mercador e
cronista das aventuras dos portugueses no Extremo Oriente.2 A certidão de
batismo de Macau surge como escala de uma viagem marítimo-mercantil que
estabelecia relações oficiais entre Índia e Japão. Suas aventuras foram
compartilhadas com Martim Afonso de Souza (fundador de São Vicente em1532)
e depois vice-rei da Índia; Pêro de Faria, capitão da fortaleza de Málaca; Francisco
Xavier - reitor da Companhia de Jesus na Índia - na evangelização do Japão.

Macau criada em local cedido a Portugal pela China em troca da ajuda
contra a pirataria se transformou em centro da triangulação do comércio entre
China, Japão e Índia. De Macau partiam as chamada "naus negras" anualmente
para o Japão, registradas pelos artistas japoneses nos belíssimos Biombos
Namban que hoje podem ser vistos no Museu de Arte Antiga de Lisboa.

A língua dos mercadores e missionários portugueses passa a ser
intensamente usada nos mares da China por todo século XVI e XVII. Foi através
de Macau que a China absorveu o consumo que batata-doce; milho, tabaco,
mandioca, pimentão provenientes da América. Para a Europa, Macau envia ruibarbo, aipo, lichias e dezenas de variedades de chá. Macau também exporta
outras formas de cultura material, como as armas de fogo. Entre 1620-1630 em
Macau faz sucesso a fundição de canhões do português Manoel Tavares Bocarro
provocando uma verdadeira revolução na arte da guerra.

Baluarte da cultura e língua portuguesa no Extremo Oriente entre os
séculos XVI a XX, Macau perde sua soberania portuguesa para China na última
década do século passado. Devolvida à China, Macau mantém um status jurídico
especial. A língua portuguesa foi mantida nos documentos oficiais e serviços
burocráticos do governo independente. A população não fala mais o português.
Prevalece o mandarim. Somente alguns intelectuais ou pessoas mais idosas
conhecem a língua de Camões. Uma pequena parte da população fala o Patuá -
mistura de cantonês com português, de difícil compreensão. Pela cidade, a
comunicação visual que antes eram feita em português, agora é expressa em
Mandarim, embora as placas de ruas e logradouros continuem a exibir a língua
portuguesa em segundo plano. De entreposto de comércio e exportadora de
cultura portuguesa a cidade se transformou em cidade-cassino. Sinais dos
tempos. Las Vegas transportada para Macau mudou a paisagem provocando
grandes transformações sociais na esteira das transformações da China rumo ao
"socialismo/capitalista" e à sociedade de consumo.

Da Macau portuguesa, melancolicamente, nos fica apenas a imagem do
frontispício do Convento Jesuítico de São Paulo. Imagem de uma ruína inusitada
da cultura que se perdeu.


* Má- é uma deusa protetora dos pescadores e navegantes muito popular no sul da China e Japão
** Fernão Mendes Pinto além de rico mercador é um dos grandes vultos da cultura renascentista portuguesa devido às suas Cartas e à Peregrinação - escrita entre 1568-1578, editada em 1614.

Nenhum comentário:

Postar um comentário